Securitização de recebíveis comerciais e industriais (2004)
- Authors:
- Autor USP: NORONHA, ILENE PATRICIA DE - FD
- Unidade: FD
- Sigla do Departamento: DCO
- Subjects: TÍTULO DE CRÉDITO (DIREITO CAMBIÁRIO); SECURITIZAÇÃO; DEBÊNTURES; OPERAÇÃO FINANCEIRA; CAPTAÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS
- Language: Português
- Abstract: O presente trabalho teve como propósito apresentar algumas reflexões sobre a chamada securitização de recebíveis comerciais e industriais. Entendida como operação de fundamental importância para o financiamento de empresas, a latere do sistema de intermediação bancária, foi a mesma estudada tanto em seus aspectos estruturais quanto funcionais, partindo-se do pressuposto de que tal método de investigação, a partir da contribuição definitiva de Ascarelli para a Ciência Jurídica, já terá deixado incontroversa a necessidade de optar-se por tal caminho. Identificou-se, preliminarmente, que o fenômeno do autofinanciamento empresarial apresenta, historicamente, quatro fases distintas, constituídas por intermédio dos vários instrumentos criados pelo direito comercial, a saber: 1ª) A sociedade anônima como figurino jurídico da atividade empresarial de grande porte. Ela atua como poderoso instrumento de captação de recursos para o exercício da atividade econômica organizada para a realização de um determinado investimento/ empreendimento. É uma fase que ainda está em pleno vigor. 2º) Os títulos de crédito, de um lado, com sua virtude de possibilitar a mobilização da própria riqueza, graças à construção de um negócio cartular, absolutamente distinto do negócio subjacente, propiciando a livre circulação do crédito, na sempre insuperável lição ascarelliana; e, de outro, os valores mobiliários, funcionalmente distintos dos primeiros, pela sua destinação às operaçõesmassificadas de médio e longo prazos. 3º) Os Fundos de Investimento, que vêm desempenhando papel decisivo no financiamento de empresas por meio da coleta de grandes massas de capital. 4º) O fenômeno da securitização de recebíveis, propriamente dito, surgido nos primórdios dos anos noventa até o presente momento, caracterizando uma quarta fase da evolução. Procurou-se definir a securitização como forma de captação de recursos pela empresa originadora, por meio ) da cessão de crédito de seus recebíveis a uma sociedade de propósito específico, ou, para um Fundo de Recebíveis em Direitos Creditórios - FIDC, que os utilizará como garantia para a emissão de novos títulos de dívida/valores mobiliários, debêntures ou quotas do FIDC. Os recursos gerados com tal captação serão, por sua vez, utilizados na aquisição dos novos recebíveis, resultando em um ciclo virtuoso de autofinanciamento para a sociedade originadora dos ativos. No Brasil, se é possível constatar-se, de um lado, o crescimento da intermediação financeira, não obstante a excessiva onerosidade com que a mesma se apresenta, é inegável, de outro lado, o fenômeno recorrente das experiências realizadas com a chamada desintermediação financeira. A explicação parece estar relacionada com o fim do período inflacionário e com o crescimento das operações de créditos por parte dos bancos (intermediação financeira), que não eram viáveis naquele período, quando tinham nos ganhos inflacionários sua principal fonte derecursos e as empresas optavam por baixo nível de endividamento como estratégia de sua própria sobrevivência. De outra banda, as empresas têm tentado fugir da captação de recursos nos bancos, pela criação de novas operações financeiras em face das vantagens e diferenças de taxas de juros, de câmbio, etc., na tentativa de operações menos onerosas, com redução de riscos e diversificação. Cite-se como exemplos: a emissão de debêntures e dos commercial papers, ambos títulos de crédito e valores mobiliários, conhecidos como "títulos de dívida", além da própria securitização. Ressalte-se que o termo securitização é traduzido do inglês securities. Trata-se de neologismo criado com o aportuguesamento da expressão. A princípio, foi ele utilizado para indicar os fenômenos sociais dos financiamentos observados na Europa e nos Estados Unidos, após a década de 70, sendo empregado, portanto, em diferentes setores, ) com significação diversa. O uso da expressão só se justifica, na verdade, pela prática já consolidada no mercado e pelo linguajar técnico-financeiro neste predominante. Mais adequado seria, com efeito, o emprego da terminologia completa: Securitização de Recebíveis "Financeiros", "Comerciais", "Bancários" ou "Imobiliários". O argumento de que o "infeliz aportuguesamento" presta-se a confusões terminológicas com as atividades de seguro, usualmente chamadas de securitárias, a nosso ver, tem inteira procedência. A polissemia inerente ao vocábulo revela-sedúbia e inadequada. É curioso o nascimento quase acidental do termo em seu berço, os Estados Unidos da América. Teve ele sua primeira aparição no ano de 1977, em uma coluna do "Wall Street Journal". Uma jornalista entrevistou o autor sobre a primeira operação do gênero realizada no mercado imobiliário, indagando-lhe o nome que ele dava àquele processo. À míngua de uma expressão mais adequada, ele a chamou de securitização. A jornalista teve de confirmar o nome da operação com o autor, pois o editor do jornal não o aceitou, a princípio, alegando tratar-se de inglês impróprio. O termo securitização foi então publicado pela primeira vez, com nota esclarecedora de que se tratava de uma expressão usada em Wall Street, não sendo, pois, uma palavra "de verdade". Note-se que, consoante montagem de uma operação de securitização, ao adquirirem títulos ou valores mobiliários emitidos pelos veículos securitizadores, os investidores podem estar, em maior ou menor grau, expostos ao risco decorrente da atividade empresarial da sociedade tomadora, quando da liquidação do título. Talvez aí resida a importância da classificação de risco feita por agência classificadora de Risco - "Rating", a qual somente é obrigatória quando a operação utilizar-se do veículo, Fundo de Investimento em Direito Creditótio - FIDC, por força da Instrução nº 356/01. Nos anos 90, ) influenciado pela abertura dos mercados e por todo o contexto econômico nacional e até internacional de privatização, omercado assistiu às primeiras operações com características semelhantes às da securitização, praticadas por companhias prestadoras de serviço público, de energia elétrica, de telefonia e água, etc. Em tais operações estruturadas, porém, não havia a segregação de riscos nos moldes em que ela é feita na securitização. Entre tais operações estruturadas, destacam-se em importância os Certificados Representativos de Contratos Mercantis de Compra e Venda a Termo de Energia Elétrica. O artigo 2º da Resolução n.º 2.405, de 25 de junho de 1997, considerou como valores mobiliários, para os efeitos do artigo 2º, inciso III, da Lei n.º 6.385/76, os certificados representativos de contratos mercantis de compra e venda a termo de energia elétrica que atendessem as condições da própria resolução. A Resolução estabelecia, entre outras condições, a exigência de que a companhia emissora estivesse incluída em programa de privatização. Os tomadores desses valores mobiliários deverão ser institucionais, ou seja, serão as instituições financeiras e outras instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, entidades de previdência privada, sociedades seguradoras, sociedades de capitalização, fundos de investimento financeiro e grandes investidores. Os recursos angariados com tal emissão e conseqüente colocação deveriam ser direcionados, exclusivamente, para investimentos na realização de projetos específicos, de obras consideradas em atraso pelo Departamento Nacional de Água eEnergia Elétrica - DNAEE. Por ocasião da privatização da empresa emitente dos certificados, ou na hipótese de cisão ou formação de subsidiária integral, tais exigíveis deveriam ser transferidos ao comprador ou, proporcionalmente, ao parceiro privado. Nessa modalidade era comum a constituição de garantia real de ) de penhor de direitos creditórios, além de ser atribuído, ao investidor, a opção da utilização do valor do seu crédito para pagar o preço do serviço público prestado. Assim, o debenturista, por exemplo, poderia utilizar-se do valor do seu crédito para pagar o preço do serviço a ele prestado, mediante dação em pagamento do título que possuísse. Nesses termos destaca-se a operação da CESP - Cia. Energética do estado de São Paulo realizada em 1994. Partindo-se do pressuposto de que certas operações não separavam, com nitidez e clareza, os riscos dos recebíveis dos riscos de seu próprio originador, não poderiam ser caracterizadas como verdadeiras operações de securitização. Nestas últimas, como se sabe - e como se procurou mostrar ao longo do presente trabalho -, parte dos riscos permanece no ativo da empresa originadora e o endividamento vem a ser alinhado em seu passivo. Nessa hipótese, o investidor fica exposto ao risco do tomador e as garantias ofertadas costumam ser muito pouco eficazes. O apetite dos investidores em valores mobiliários recai sobre a liquidez que estes apresentam, ou seja, são as garantias de fácil liqüidação que os atraem enão, evidentemente, as dificuldades de um moroso processo judicial de execução. Ainda nos anos 90, a securitização propriamente dita ganhou força com a sua regulamentação, em 1993, pelo Conselho Monetário Nacional (Resolução n.º 2.026) e passou a ser realizada no Brasil. Nesse tipo de operação, há transferência dos créditos gerados pela empresa originadora para uma Sociedade de Propósito Específico - SPE ou SPC "Special Purpose Company". Nesse passo, a SPE, como um veículo da operação, realiza a emissão pública de títulos ou valores mobiliários, aplicando o produto dessa emissão na aquisição dos direitos creditórios da companhia originadora. O mesmo ocorre com os Fundos de Investimento em Direito Creditório - FIDC, o outro veículo em operações de ) securitização. Tais valores mobiliários a serem emitidos pelos veículos, sejam debêntures, quotas de fundos de investimento, ou quaisquer outros que se coadunem com a operação, terão como lastro (garantia) o fluxo de recebíveis da empresa originadora que serão cedidos à SPE ou ao FIDC, sendo que a emissão dos títulos deve necessariamente espelhar o fluxo dos recebíveis. Procurou-se desmistificar a operação de securitização de recebíveis, descrevendo-a da forma mais singela possível. Suponha-se, então, que um originador faz empréstimos aos consumidores para a compra de determinados bens, como um computador, um fogão, um automóvel, sendo o empréstimo garantido pelo próprio ativo financiado. O originador pode, pois,"empacotar" alguns ou todos os seus recebíveis (créditos existentes contra os financiados) em uma operação de securitização e emitir valores mobiliários lastreados pelos empréstimos feitos aos seus consumidores. Os valores mobiliários são quitados pelos pagamentos regulares feitos pelos consumidores. Daí a circunstância de os veículos securitizadores (SPE e FIDC), serem utilizados como instrumento de segregação do risco inerente à atividade empresarial da sociedade emissora com o risco de crédito dos recebíveis. Essa é, com efeito, a grande diferença entre a securitização e as outras operações a ela assemelhadas, posta em relevo na presente tese acadêmica: a separação dos riscos inerentes de cada negócio como peculiaridade inerente à securitização. Assim, não há exposição direta do investidor-comprador dos títulos de dívida ao risco da empresa geradora dos recebíveis. Nesse contexto, um dos escopos da securitização é possibilitar que a empresa obtenha recursos sem comprometer seu limite de crédito e sem aumentar seu índice de endividamento, não comprometendo o balanço contábil, além de significar uma porta de acesso para o mercado de capitais. Sua premissa básica é que a empresa (continuação) originadora dos ativos tenha recebíveis, em regra, de curto prazo, de preferência bastante pulverizados, de modo que um crédito, isoladamente considerado, nunca seja demasiadamente representativo, ou jamais signifique uma parcela expressiva do total dos recebíveis. Note-se que orisco de crédito, pelo tipo de recebível, não é avaliado com base na análise individual de cada crédito ou de cada devedor, mas a apreciação é feita de maneira atuarial, ou seja, levando-se em conta o índice de inadimplência histórica da carteira, ou do conjunto de recebíveis de cada empresa. Nesse passo, cumpre destacar os processos de securitização em que há presente uma SEGURADORA - Companhia de Seguros garantindo os pagamentos dos recebíveis. Assim, a presente tese teve por escopo apresentar, compreender e analisar, em toda a sua extensão e alcance, o mecanismo da securitização, distinguindo-o das demais operações estruturadas que, com ele, se assemelham. Sublinhou-se, com o devido destaque, o seu traço distintivo consistente na segregação de ativos em um veículo específico, a fim de que tais ativos sirvam de lastro a uma emissão de valores mobiliários por meio desse veículo, alcunhado pelo mercado de "van", pelo papel que exerce de ser uma espécie de "meio de transporte" entre os que desejam aplicar seus recursos financeiros e a originadora dos ativos que pretende recebê-los. Nesse passo, pareceu oportuno que o primeiro capitulo do trabalho fosse dedicado aos valores mobiliários, ) seu conceito e suas espécies relacionadas com a operação de securitização, bem como os títulos de crédito a ela relacionados e o seu fenômeno da mobilização. No segundo capítulo, conforme já frisado, tentou-se apresentar a operação de securitização, desmistificando-a, tantoquanto possível, com a análise simultânea tanto dos veículos emissores dos valores mobiliários quanto das demais espécies de securitização existentes no Brasil. Por considerá-la absolutamente indispensável à pesquisa jurídica levada a cabo no âmbito da atividade empresarial, procedeu-se à exposição de casos práticos, com o saber das experiências feito, optando-se por não se apresentar, em capítulo específico, incursões no plano do direito comparado. As alusões a legislações alienígenas foram feitas ao longo do segundo capítulo, com caráter meramente referencial e informativo, sem a pretensão de extrair-se delas alguma lição conclusiva. Na sempre indispensável perquirição da natureza jurídica dos institutos, procurou-se caracterizar a securitização como um contrato mercantil de cessão de lastro atípico e inominado, embora socialmente tipificado, lembrando-se de que um dos papeis desempenhados pelo direito é exatamente o de exercer o controle sobre os contratos e, portanto, o de cuidar da salvaguarda do interesse público
- Imprenta:
- Data da defesa: 21.12.2004
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ABNT
NORONHA, Ilene Patrícia de. Securitização de recebíveis comerciais e industriais. 2004. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. . Acesso em: 21 maio 2025. -
APA
Noronha, I. P. de. (2004). Securitização de recebíveis comerciais e industriais (Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. -
NLM
Noronha IP de. Securitização de recebíveis comerciais e industriais. 2004 ;[citado 2025 maio 21 ] -
Vancouver
Noronha IP de. Securitização de recebíveis comerciais e industriais. 2004 ;[citado 2025 maio 21 ]
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