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Comunidade, natureza e espaço: Gestão territorial comunitário - arquipélago dos Bijagós, África ocidental (2002)

  • Authors:
  • Autor USP: MARETTI, CLAUDIO CARRERA - FFLCH
  • Unidade: FFLCH
  • Sigla do Departamento: FLG
  • Subjects: PLANEJAMENTO TERRITORIAL (ASPECTOS AMBIENTAIS;ASPECTOS SOCIAIS); GEOGRAFIA (ASPECTOS AMBIENTAIS;ASPECTOS POLITICO-SÓCIO-ECONÔMICOS); MEIO AMBIENTE; GUINÉ-BISSAU (ASPECTOS AMBIENTAIS;DESENVOLVIMENTO)
  • Language: Português
  • Abstract: O arquipélago dos Bijagós está situado na África Ocidental, na área que hoje constitui o país (estado-nação) Guiné-Bissau. Ele é habitado sobretudo pelo grupo étnico que lhe dá o nome. A 'costa das rias', a zona costeira do país e, em particular, o arquipélago são caracterizados por uma larga faixa de transição -incluindo plataforma continental, ilhas, bancos intermarés, rias e manguezais. Sua importância ambiental pode ser atestada pela presença de inúmeras espécies animais -aéreas, terrestres e aquáticas- e áreas de importância internacional pela nidificação de tartarugas marinhas e pela alimentação de aves paleárticas. A Guiné-Bissau é um país pequeno, jovem e pobre. Sua população rural costeira depende da complementaridade econômica obtida pela exploração dos ambientes que compõem a área expandida das tabancas {crioulo} (aldeias). Historicamente, essa população tem manejado seu território e seus recursos de forma relativamente sustentada. A partir de 1989, a zona costeira da Guiné-Bissau foi objeto de um programa nacional de 'planificação costeira'. O arquipélago, área prioritária, foi reconhecido, em 1996, como reserva da biosfera, incluindo suas áreas protegidas. No entanto, a gestão ambiental participativa não pode ser feita (somente) de 'reuniões abertas'. A perspectiva da reserva da biosfera apontou para a consideração e o aproveitamento respeitoso dos sistemas próprios de produção do espaço e gestão dos recursos naturais desenvolvidos pelascomunidades locais, procurando tornar viável a gestão ambiental com participação dessas comunidades. Foi esse o contexto que motivou a pesquisa ora apresentada. Esta buscou detectar os processos de produção dos espaços bijagós, a partir )da identificação de elementos históricos e sociais e de sua relação com os recursos naturais -migrações, dialetos, estrutura social, cerimônias, entre outros. Dessa forma, procurou-se desvendar o sistema comunitário de gestão territorial próprio dos bijagós -e as instituições comunitárias nele envolvidas. Espera-se que seu produto possa servir à gestão ambiental e ao desenvolvimento do arquipélago. A 'costa das rias' -parte extrema ocidental da África Ocidental- pode ter sido um refúgio para grupos sociais, sobretudo alguns 'sem-estado', que procuraram evitar o domínio pelos impérios do Sudão, aproximadamente na 'Idade Média' africana. A região da atual Guiné-Bissau constitui-se -provavelmente desde o século XII- como uma área de interligação de redes comerciais de longa distância. Entre os imigrantes estavam, possivelmente, alguns 'pré-bijagós'. A origem destes é pouco definida, sendo possível que tenha sido múltipla ou, ainda, que eles somente tenham desenvolvido essa identidade já nas ilhas. Se os oeste-africanos praticavam o comércio há muito tempo, a chegada dos europeus aos poucos transformou esse sistema. No início, eles fizeram pouca diferença no contexto geral da África Ocidental. Nos séculos XV e XVI oslusitanos foram soberanos nesse comércio marinho, e as ilhas de Cabo Verde, seu centro intermediário. Tendo priorizado o tráfico de escravos, o comércio europeu veio a ser dominado pela França e pela Inglaterra. O Kaabu -uma federação de 'reinos' mandingas ou associados- foi o principal fornecedor de escravos na região pelos séculos que durou, deixando forte influência cultural e política nos povos costeiros. No geral, e como conseqüência última, o comércio escravista que ao longo dos séculos ) fomentou guerras, disputas e ataques, acabou por fragmentar as possibilidades de constituição de unidades políticas maiores -e, de certa forma, viabilizar a invasão e o domínio coloniais. Os bijagós talvez tenham sido 'empurrados' para o mar, mas, a partir das ilhas, passaram a pilhar os povos costeiros -talvez como indício de sua '(não-)adaptação' inicial. Seu ethos guerreiro provavelmente marcou sua organização social, mesmo posteriormente. Mas foi no comércio escravista que eles aguçaram esses comportamentos, contexto no qual registra-se que eles também guerreavam entre si . Aparentemente, eles unificaram suas condutas bélicas a partir do século XVII. Há indícios de que, aos poucos, a sua participação no comércio escravista e nos ataques aos grupos costeiros diminuiu. Mas eles não chegaram à unificação política completa e as disputas existiram até recentemente, embora tenha havido 'reinos' (governos mais centralizados) em algumas ilhas. As 'guerras santas' islâmicas nosséculos XVIII e XIX foram um prenúncio da formação de entidades africanas maiores, mas apesar de, em alguns casos, terem servido para resistir aos europeus, acabaram abortadas pelo colonialismo. Entre as entidades políticas formadas nesses movimentos 'religiosos', o Fouta Djalon teve influência no leste e no sul da 'Guiné'. O século XIX viu crescer o comércio legítimo da Europa com a África, enquanto decaía o comércio escravista. Já como produto da revolução industrial, a Europa procurava matérias-primas e mercados consumidores. O processo avassalador da conquista colonial européia no continente africano ocorreu no final do século XIX e início do XX. Os portugueses já não tinham muita influência na costa oeste-africana e os lusitanos (seus )descendentes) estavam confinados em pequenos centros criolos {c}. Com uma postura decisiva inédita para a região, os portugueses dominaram, por meio das guerras ditas 'de pacificação', a área que passaram a chamar de 'Guiné Portuguesa'. Um modelo racista, de domínio direto e protecionista viabilizou a exploração do 'território' ao longo do século, mas nada deixou em termos de infra-estrutura e serviços públicos ou de instrução e organização política da população. Continuando sua 'tradição' de resistência, o arquipélago dos Bijagós foi a última área a ser dominada, e já em meados da década de 1930. Talvez por causa disso foi, na 'Guiné', uma das áreas que mais sofreram com o 'trabalho obrigatório' e com os impostos. O governocolonial foi, provavelmente, o primeiro germe da atual Guiné-Bissau. Uma das fases mais marcantes da construção desse estado-nação foi a 'luta de libertação nacional'. Após a independência, no entanto, houve acomodação paulatina ao precário estado colonial e um retrocesso crescente da mobilização. Uma primeira fase pró-soviética, centralizada, e em parcial união com Cabo Verde, tentou priorizar a industrialização e, depois, programas de desenvolvimento rural integrado. Nos anos 1980 e 90, optou-se pela liberalização econômica, que foi seguida da política. No entanto, continuaram crescendo as dívidas, a dependência externa e a deterioração do aparelho do estado. Nessas condições, começaram os 'projetos ambientais' -onde se encaixaram a 'planificação costeira', a Reserva da Biosfera do Arquipélago Bolama-Bijagós e as áreas protegidas. Os bijagós não se envolveram de forma significativa no movimento dito 'nacionalista'. Receberam imposições governamentais, como a )de organização de "Comités do Partido" em cada tabanca {c}. Viram passar frustrados projetos de desenvolvimento, que fracassaram, inclusive, por não obter seu envolvimento. A distribuição dos bijagós no arquipélago mostra sinais do seu processo de colonização das ilhas, mas sem desvendá-lo por completo. A sua concepção social aproxima a religião da política e relaciona ambas fortemente à terra. Relacionados à linhagem matrilinear, são organizados o sistema de gestão territorial e seus níveis hierárquicos,desde as ilhas até as famílias, mas sobretudo no nível das neguene {bijagó} (aldeias). É por meio desse sistema que se tem acesso à terra e aos recursos naturais, mas ele não domina os espaços marinhos. A principal marca da estrutura e do funcionamento social são as classes de idade e o seu sistema de prestações e contraprestações, que garantem liderança aos mais velhos, uma espécie de 'aposentadoria', a transmissão do conhecimento e a redistribuição das riquezas. Isso tudo ocorre não sem conflitos e mudanças, e em algumas ilhas a patrilinearidade já se faz presente e a acumulação relativa é possível. As alianças são múltiplas, não só entre pessoas, famílias, clãs ou classes de idade, mas também entre aldeias -que são a unidade política fundamental. Elas parecem ocorrer do ponto de vista clânico e territorial. Há agrupamentos religiosos, mas também de vizinhança. Não é possível dizer com certeza, mas a variedade dialetal pode estar relacionada com a proximidade física, mais que somente com o contexto sócio-histórico. Os bijagós, de guerreiros, tornaram-se sobretudo agricultores, desenvolvendo, também, o extrativismo e uma pecuária extensiva. Apesar da riqueza haliêutica e do seu passado, a opressão colonial pode )ter sido a responsável pelo fim da suas técnicas de navegação. Hoje, os pescadores no arquipélago são, sobretudo, estrangeiros ou imigrantes. A situação nas ilhas é de ausência de desenvolvimento e, mesmo, de retração econômica, com carência quasetotal de infra-estrutura e de serviços governamentais, incluindo a educação. As condições de saúde são precárias e a mortalidade elevada, mas a fome não é uma marca forte. O turismo desponta nas últimas décadas como outra alternativa econômica, ao mesmo tempo que predador de espaços bijagós, com conivência ou apoio do estado. É possível que uma diminuição da opressão tenha feito aflorar, emergir novamente estruturas sociais comunitárias (às vezes ditas 'tradicionais'). O ingresso de capital, de pessoas e de idéias pode beneficiar a revitalização das ilhas, mas o respeito e a utilização das instituições comunitárias é que permitirão a participação dos locais e o sucesso das iniciativas
  • Imprenta:
  • Data da defesa: 28.06.2002

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    • ABNT

      MARETTI, Cláudio Carrera. Comunidade, natureza e espaço: Gestão territorial comunitário - arquipélago dos Bijagós, África ocidental. 2002. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002. . Acesso em: 13 jun. 2025.
    • APA

      Maretti, C. C. (2002). Comunidade, natureza e espaço: Gestão territorial comunitário - arquipélago dos Bijagós, África ocidental (Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.
    • NLM

      Maretti CC. Comunidade, natureza e espaço: Gestão territorial comunitário - arquipélago dos Bijagós, África ocidental. 2002 ;[citado 2025 jun. 13 ]
    • Vancouver

      Maretti CC. Comunidade, natureza e espaço: Gestão territorial comunitário - arquipélago dos Bijagós, África ocidental. 2002 ;[citado 2025 jun. 13 ]


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